terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

CAP. V STRESS, PSIQUE OU SOMA

Sou jovem rico e culto, e, por ser infeliz, neurótico e solitário. Descendo de uma das melhores famílias do lago de Zurique...Sempre fui comedido a minha vida toda...Naturalmente, também tenho câncer... Naturalmente ...Que palavra estranha! Há anos ela faz a felicidade de todos aqueles cientistas que tentam explicar como a mente age sobre o corpo, como os choques emocionais, felizes ou infelizes, podem fazer com que se adoeça.
Fritz Zorn, se não é o herói deles, é pelo menos sua referência. Todos contam sua história e citam sua autobiografia, onde este professor e escritor, morto em 1976, informa-nos como, quando se é rico, infeliz e neurótico, se tem “naturalmente o câncer”.
O enigma é evidentemente capital: nosso corpo transformaria em doenças as coisas da vida, as emoções, as agressões que pressionam nosso cérebro. Sabe-se há muito tempo que elas desencadeiam no organismo, em graus que variam conforme os indivíduos, uma cascata de respostas puramente fisiológicas. Dão a isso o nome, inventado pelo psiquiatra canadense Hans Selye que desde então conquistou o mundo, de stress. Somos todos estressados. Mas isso faz de nos todos doentes?
Que mãe de família não foi perturbada pela otite que ataca seu filho exatamente após uma difícil adaptação na creche? Que dizer daquela avó que sobreviveu apenas alguns meses ao falecimento do cônjuge? Ou dos desempregados sempre doentes e dos aposentados que morrem no mesmo ano em que são colocados à margem do sistema?
Sheldon Coen, psicólogo americano, associou-se a Common Cold Unit, de Salisbury, na Grã Bretanha, para estudar a mais comum das doenças do mundo: o resfriado. O americano queria saber se o stress favorecia a instalação do vírus. Estes últimos quase não o interessam. Sua obsessão era a integração social das vítimas do resfriado, a dose de stress e a influência da pressão de chefes ou cônjuges no processo.
Até mesmo os cosmonautas não seriam poupados. É no stress da volta a Terra, a parte mais penosa de um vôo espacial, que muitos especialistas acreditam que reside a causa quando constatam que o sistema imunológico acusa uma queda de resistência.
Jean-Loup Chrétien não é um moleirão, ele foi supertreinado. E, no entanto, o dr. Laurence Schãffer, da faculdade de Medicina de Nice, que estudou o problema, espera após o vôo a bordo da estação Mir, descobrir no sangue do General-cosmonauta a assinatura biológica do stress.
Muitos médicos, no entanto, acham que querer descobrir nas doenças, a qualquer preço, uma relação de causas psicológicas a efeito orgânico, é muitas vezes atribuir sentido a uma pura coincidência. Esta é uma discussão tão velha como a medicina, uma vez que por falta de provas biológicas ela estava, desde Platão a Hipócrates, sem saída. Mas uma revolução está em curso.
Uma avalanche de trabalhos recentes mostra que o cérebro e o sistema imunológico, responsáveis por nossa saúde, ao invés de se ignorarem, mantém para o melhor, mas, as vezes também para o pior, um diálogo constante.
Em outras palavras, os neurobiólogos e os imunologistas estão começando a desmontar os mecanismos que, partindo do stress que agride o cérebro, poderia, às vezes, obrigar o sistema imunológico a baixar imprudentemente sua guarda. O organismo, nestas condições, estaria à mercê dos vírus, dos micróbios, e até mesmo das células cancerosas até então contidas.
Em outros casos o stress conseguiria, sempre por intermédio do cérebro, “desnortear” o sistema imunológico que se voltaria, então, contra seu próprio organismo. Assim, “os acontecimentos da vida” poderiam estar na origem de certas alergias e de doenças como a urticária, a asma, o diabete insulino-dependente, o lup eritematoso, a psoriase e até mesmo a esclerose em placas. Pensa-se até que mecanismos imunológicos interviriam até na esquizofrenia.
Nos últimos anos, constituiu-se uma nova ciência, por essência interdisciplinar: a psiconeuroimunologia. Talvez ela permita dar bases biológicas ao patético “naturalmente, também tenho câncer“, de Fritz Zorn, que morreu exatamente após saber que seu manuscrito seria publicado.
Rabelais, achava que “os felizes sempre saram”. Em outras palavras, que um bom estado de ânimo pode ajudar a lutar contra a doença. Isto é o que parece indicar os resultados da célebre pesquisa dos britânicos H.S. Greer e T. Morris. Estes psicólogos de Cambridge estudaram a atitude de mulheres após operação de câncer no seio.
Cinco anos depois, entre aquelas que negavam então a doença – ou tinham vontade de combatê-la – a equipe constatou 35% de metástases e 10% de mortalidade. Entre as mulheres que aceitavam estoicamente a doença na época da operação, ou se deixaram tomar pelo desespero, passados cinco anos, a taxa de metástases atingia 75% e a de mortalidade 38%.
“Atenção! Este conluio em torno da necessidade de dar um sentido chega muitas vezes a inculpar aquele que fez o câncer, isto é, o próprio canceroso”, adverte Nicole Alby, da unidade de Psicologia Clinica do Hospital Saint-Louis, em Paris. Por enquanto, o câncer parece ser um modelo infinitamente complexo para a psiconeuroimunologia nascente. Porém, a biologia forja pacientemente uma ferramenta que, um dia, deveria permitir distinguir entre as simples “coincidências” e os efeitos reais, positivos ou negativos, dos ”acontecimentos da vida” sobre a doença ou a cura.
Um indício recente da ligação co cérebro com o sistema imunológico foi fornecido pelo professor Feltem, do Rochester Hospital, de Nova York. Ele demonstrou que os órgãos linfóides – baço, gânglios, timo-eram inervados por neurônios que chegam até os glóbulos brancos, que desempenham um papel central na imunidade. Conseqüência: “Estes glóbulos brancos, que transitam ou sofrem uma maturação nesses órgãos, estão em contato direto com mediadores químicos secretados pelos neurônios”, explica Robert Dantzer. (1)-Este pesquisador do Inra (Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas), especialista em comportamento animal, estudou por muito tempo as doenças do stress nas criações intensivas, onde as epidemias são muitas vezes devastadoras e inexplicáveis. Ele trabalha, agora, em Bordeaux, no laboratório do Professor Le Moal do Inserm, uma unidade que se dedica a fundo a psiconeuroimunologia.
Mas, para que haja uma verdadeira cumplicidade ao nível dos órgãos linfóides entre o cérebro e o sistema imunológico, ainda era preciso demonstrar que os glóbulos brancos, valentes defensores do organismo, estão em condições de entender as mensagens químicas vindas “la de cima”. Ora, faz cinco anos que não se passa um mês sem que uma equipe descubra, na superfície desses glóbulos, receptores para os neuromediadores ativados pelo cérebro. O mesmo ocorre na superfície dos linfócitos B, outros glóbulos brancos, especializados, estes, na produção dos famosos anticorpos quando dos ataques viróticos e das vacinações. Mais ainda: os diferentes glóbulos brancos são igualmente capazes de decifrar as mensagens dos hormônios que o próprio cérebro secreta diretamente como uma simples glândula.
Existe, portanto, toda uma “farmacopéia” que permite ao cérebro fazer-se entender pelo sistema imunológico. Um sistema descrito até aqui como quase que totalmente autônomo!
Experiências em vitro, isto é, em proveta, provaram efetivamente que esta panóplia de mensagens químicas estava em condições de modular a resposta imunológica. É isto exatamente que ocorre no organismo humano. Exemplo: homens cujas mulheres estão morrendo de câncer vêem suas defesas imunológicas caírem. Isto é o que revelou um estudo feito em 1983 na Mount Sinai School os Medicine de Nova Iorque.
Outras provas da conexão cérebro-sistema imunológico saem dos laboratórios. Robert Ader, do departamento de psiquiatria da Escola de Medicina de Rochester, nos Estados Unidos - o pioneiro da psiconeuroimunologia - descobriu que a resposta do sistema imunológico podia ser condicionada, isto é, tornar-se um reflexo como é a salivação no cão de Pavlov. Eis sua prova experimental: num primeiro tempo, obrigam ratos sedentos a beber água misturada com sacarina, produto cujo gosto eles detestam. Simultaneamente, o que não tem nada a ver, injetam neles uma substância que faz baixar suas defesas imunológicas.
Segundo tempo: algumas semanas depois, apresentam outra vez aos mesmos ratos, mais uma vez sedentos, água com sacarina. Porém, desta vez, não injetam neles a substância imunodepressiva. Não seja por isso: o stress, lembrando ao organismo o choque da primeira experiência, bastou, via reflexo condicionado, para deprimir a imunidade dos animais!
Proust, aparentemente, não reagia de outra maneira quando tinha ataques de asmas à simples visão dos “girassóis” de Van Gogh, incapazes de soltar pólen, causa bem conhecida de alergias.
Um outro exemplo: os pacientes que sempre ficam doentes em cada aniversário de uma doença dolorosa, acidente, falecimento, separação etc. O efeito placebo, que vê o estado de um paciente melhorar após a ingestão de um falso medicamento, poderia proceder do mesmo mecanismo.
Outro fato mais espantoso ainda: a mão direita, como se sabe, é comandada pela parte esquerda do cérebro e vice-versa para a mão esquerda, Isto é o que chamamos de lateralização. Pierre Neveu, imunologista no mesmo laboratório que Robert Dantzer, quis saber se o papel de imunomodulador do cérebro era lateralizado. A resposta é sim, constatou o pesquisador. A ab
lação do córtex esquerdo deprime inúmeras atividades do sistema imunológico, enquanto aquela do córtex direito ou não tem nenhuma influência, ou, em geral, estimula as reações de defesa. Encontramos essa lateralização nos humanos. Assim, os canhotos são, estatisticamente, mais sensíveis às alergias e desenvolvem com mais freqüência doenças auto-imunes que os destros. “Em nossas experiências, os ratos ‘canhotos’ apresentam a mesma tendência”, observa Pierre Neveu.
Ao que parece, o sistema imunológico, que por muito tempo foi considerado totalmente autônomo, recebe realmente informações, se não ordens, do cérebro. Ele pode ser modulado. “É como o coração”, explica Robert Dantzer. “Colocado numa cuba, adapta seu ritmo ao volume do fluído que deve misturar, enquanto no organismo, ao contrário, ele é regido pelo sistema nervoso”.
Porém, para pilotar um órgão ou um sistema, é preciso, ainda, que o cérebro conheça o estado deles a todo instante. Aqui, suspeita-se que o sistema imunológico informe o corpo passando-lhe mensagens – químicas – por intermédio, em particular, do interleucina-1, uma substância que já representa um papel considerável nas comunicações entre os diferentes glóbulos brancos, permitindo-lhes harmonizar as respostas quando da chegada de um intruso. Desse modo, com esses “pequenos telegrafistas” se fecha o ciclo da interação entre o cérebro e o sistema imunológico.
Tudo isso é muito bonito. Mas não entendemos ainda que vantagens o organismo pode extrair de um mecanismo que é capaz, ás vezes, de obrigar o sistema imunológico a baixar a guarda diante das investidas dos acontecimentos da vida.
Neste momento os biólogos não estão em condições de ir mais longe na descrição da cadeia stress-cerebro-sistema imunológico-doença (ou cura). Ainda mais que, no homem, a resposta ao stress é extremamente individualizada vez que cada um reage de maneira diferente aos choques.
Assim, a perda de um ente querido, em fulano, provocará o naufrágio de suas defesas imunológicas, enquanto em beltrano não produzirá nenhum efeito somático.
A cultura interfere nas relações patológicas entre a mente e o corpo, observa François Ravaux, antropólogo da medicina, porque enquanto entre os europeus o stress se traduz por doenças gastrintestinais, entre os japoneses ele pesa sobre os ombros e no peito. “A partir daí, antes que se possam vincular nossos primeiros resultados obtidos na escala celular através das observações dos cientistas..Tudo ainda está por fazer”, afirma Gabriel Gachelin, imunologista do Instituto Pasteur.
Contudo, a psicossomática, isto é, a medicina entre a mente e o corpo, acha que a psiconeuroimunologia está em vias de descobrir as bases biológicas das doenças que ela trata empiricamente há anos, partindo de observações como: ”Para nós, inúmeras somatizações patológicas são precedidas de um estado depressivo”, explica o Dr. Jaques Gorot, do Hospital Bichat. Não se trata aqui de ataques maníaco-depressivos, mas de depressões ditas “mascaradas”. O Dr. Gorot prossegue: “Quem mais somatiza são pessoas adaptadas ao real, ao conformismo. Elas obliteram toda a vida imaginária. Não conseguem se soltar. Colocadas em situações de impasse psicológico, elas somatizam desenvolvendo doenças que podem ser graves. Conheci o caso de um rapaz cujo casamento a família não aprovava. Ele transformou este fato numa doença mortal.
Acontece que, uma vez declarada, a doença segue seu corso de doença do corpo e deve ser tratada como tal. Porém, acha o Dr. Gorot, “uma psicoterapia conduzida paralelamente pode ajudar a melhorar a situação ou sarar mais depressa”.
Se ainda estão longe de falar a mesma língua, a psicossomática e a psiconeuroimunologia pregam uma abordagem global do paciente. “Não é este ou aquele órgão que está doente, mas é o homem quando submetido às dificuldades da vida”.
A partir desse fato, deveriam multiplicar-se os serviços em que, como na unidade de transplantes de medula óssea do professor Boiron, em Saint-Louis, psicólogos e psiquiatras desempenham um papel terapêutico junto aos doentes, às famílias, aos médicos e enfermeiros que compartilham as incertezas da doença e de seu tratamento.

(1)-Este pesquisador do Inra (Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas), especialista em comportamento animal, estudou por muito tempo “as doenças do stress nas criações intensivas”, onde as epidemias são muitas vezes devastadoras e inexplicáveis.
Para evitar que o stress animal - via hormônios e sangue - contagie os que se alimentam de suas carnes, os judeus há milênios adotaram as leis, “kashrut” que se encontram no Torá. Preparam, desse modo, os alimentos Kosher ou Cásher.
O ritual de abate para o preparo da carne kosher é denominado “Schechita” e é supervisionado por um técnico chamado “Schochet”. Este, para exercer sua função, recebe um longo treinamento. Entretanto, nos lugares pequenos ou distantes, é o próprio rabino que realiza o abate.
Cada seção de “Schechita” é precedida por uma prece chamada “Beracha”. O objetivo do ritual é permitir que a morte do animal aconteça sem que ele sofra (stress) ao perceber que vai ser morto. Por isso, a inconsciência e a insensibilidade têm que advir de imediato. Com este objetivo, o método utilizado é a degola do animal vivo, isto é, lhe são cortadas as artérias carótidas e veias jugulares sem que espere por disso com um certeiro golpe da “Chalaf”, uma espada de aproximadamente 50 centímetros muito afiada.
Depois de selecionada, a carne passa por um processo de imersões sucessivas em água e sal grosso (uma hora aproximadamente), para que seja eliminado o sangue (e com ele os glóbulos brancos).
Os alimentos kosher não são utilizados somente pelos judeus, mas também pelos muçulmanos, os adventistas e hoje pelos vegetarianos.
Por razões semelhantes, isto é, concernentes ao conteúdo do sangue, algumas religiões proíbem, mesmo em casos necessário, as transfusões de sangue.


1. Emoção: o indivíduo é agredido por um acontecimento (feliz ou infeliz) de sua vida.
2. Reação hormonal do cérebro através da hipófise.
3. Recepção da mensagem pelas glândulas supra-renais que enviam por sua vez uma mensagem hormonal.
4. Os glóbulos brancos, que tem por missão defender o organismo contra as infecções, são neutralizados.
5. O sistema imunológico avisa o cérebro da neutralização da sua ação.

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